Capítulo VII

DIVÓRCIO E NOVO CASAMENTO

Disse Jesus:
“Até ao tempo de João Baptista, estavam em vigor a Lei de Moisés e o ensino dos profetas. A partir daí anuncia-se a Boa Nova do Reino de Deus e todos se esforçam para entrar nele. No entanto, é mais fácil acabar o céu e a terra do que cair uma só vírgula da lei”


Disse mais: “Todo o homem que se separar da sua mulher e casar com outra, comete adultério. E o que casar com a separada também comete adultério.”
Lucas 16:16-18 – Tradução em Português Corrente – 1993 – Sociedade Bíblica de Portugal

Não é propósito desta carta analisar a questão do matrimónio, da sua criação, as perspectivas do casamento como uma aliança e a sua quebra, as questões psicológicas do casamento e eventual separação, os objectivos do casamento, a questão dos filhos, dos bens comuns ou outras. O objectivo é dar-te uma visão, a mais correcta possível se o divórcio e novo casamento são uma possibilidade de Deus para o matrimónio cristão.

Hoje dentro de alguns meios cristãos é muito comum a aceitação da separação e do novo casamento, chegando inclusivamente comunidades cristãs serem lideradas por pastores divorciados e com um novo casamento. Cada um acredita no que quer e é livre de fazer o quiser, e quem os segue também, mas serão responsabilizados pelos seus actos.
Os seus argumentos são baseados em Mateus 19:9: “Eu (Jesus) vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério”. Neste versículo Jesus perspectiva uma possibilidade de divórcio devido a adultério. A questão é que, se interpretarmos literalmente, o Mestre entra em contradição com o que tinha acabado de dizer anteriormente acerca da criação divina do casamento (Mateus 19:5) e do seu término (Mateus 19:6). Como é que o homem não pode separar o que Deus uniu e se pode divorciar? Será engano do Mestre? Será erro da tradução?

Se fosse assim tão simples por que é que os discípulos a seguir lhe responderam que nesse caso mais valia não casar! (Mt 19:10).
A questão é que os discípulos compreenderam o que Jesus tinha dito, pois conheciam as regras e as leis da sociedade em que viviam e compreenderam que não havia contradição e portanto o divórcio e novo casamento, é na perspectiva de Deus uma impossibilidade.
O versículo no início desta carta é uma citação do evangelho de Lucas. No evangelho de Marcos (Mc 10:1-12) a transcrição da mesma situação é semelhante à de Lucas. O mesmo assunto, e com a mesma interpretação é utilizado pelo apóstolo Paulo na 1ª Carta aos Coríntios (ICo 7:1011).

Será possível que sobre o mesmo assunto Lucas, Marcos e Paulo tenham uma opinião e Mateus outra? Será uma contradição da Bíblia? Se uma comunidade que só tivesse acesso ao evangelho de Mateus poderia celebrar aos seus membros novos casamentos e outra comunidade que só tivesse acesso aos evangelhos de Marcos ou de Lucas não poderiam efectuar tal acto? (Este caso poderia acontecer até à invenção da imprensa). Será que Paulo não conhecia a narrativa de Mateus criando assim uma teologia diferente?

Certamente que não é nenhuma contradição e muito menos teologias diferentes, pois todos os textos traduzem o mesmo princípio divino.

Analisemos o funcionamento de uma separação. Quer na sociedade da altura, quer na sociedade de hoje, para haver novo casamento tem de em primeiro lugar existir uma declaração oficial de divórcio. As regras para a declaração da separação variam consoante a época e as diferentes culturas.

Na nossa sociedade, depois de resolvidos a bem ou mal, não interessa, alguns pormenores, tal como a divisão dos bens, a questão dos filhos, as pensões ou outros assuntos, por fim o Juiz ou outra autoridade, decreta o divórcio. Convém notar que o motivo do divórcio já não é importante, pois quaisquer que sejam os motivos, se for a vontade de ambas as partes o divórcio é decretado, e como se costuma dizer, cada um vai à sua vida. Por vezes com danos colaterais gravíssimos, mas que por agora não fazem parte do tema. O divórcio na nossa época não é uma questão de vida ou de morte qualquer que seja o motivo.

Para se compreender bem a resposta de Jesus, convém compreender-se como funcionava o divórcio naquela altura, principalmente a questão que está em análise: o divórcio por adultério.
Na sociedade do tempo de Jesus, o divórcio também tinha de ser decretado, mas a lei penalizava gravemente o adultério e em primeiro lugar decretava a sentença para a infracção e só depois o divórcio. O que os defensores do segundo casamento não sabem ou não querem saber é que o adultério era considerado uma abominação sexual (Levítico 18:20-"Nem te deitarás com a mulher de teu próximo para cópula, para te contaminares com ela.") e como tal, crime, com uma condenação que poderia ir desde a expulsão da sociedade até à morte (Lv 18:29- "Porém, qualquer que fizer alguma destas abominações, sim, aqueles que as fizerem serão extirpados do seu povo.").

Resolvido o problema do adúltero só posteriormente é que era declarado o divórcio. Então o outro cônjuge estava numa das seguintes situações: ou estava viúvo(a), ou não veria mais o outro porque já tinha sido extirpado do povo. Enquanto a primeira sentença não fosse cumprida na totalidade não se declarava o divórcio. A consequência final era quase como que uma viuvez, então poderia voltar a casar.

Assim sendo nenhuma das narrativas é contraditórias nem Paulo tinha uma nova teologia.
A questão volta-se a colocar contextualizando: Se alguém desejar o novo casamento, terá de exigir um julgamento e uma sentença segundo a lei e os ritos de Levítico. Como tal ter-se-á de se subjugar a toda a Lei, anulando automaticamente a Graça Salvadora de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A escolha é simples: Cristo ou a Lei. No tempo de Paulo houve a questão da circuncisão e a escolha foi semelhante, quem escolhia a Lei anulava a Graça (Gálatas 5:3).

O estranho é que baseado numa frase de um versículo, que aparentemente é contraditório com muitos outros versículos, se criam e colocam em prática doutrinas que influenciam milhares de pessoas, pondo em causa o relacionamento com aquele que é único e perfeito, e que alterando-se esse relacionamento fica em causa toda uma relação com consequências imprevisíveis para o futuro.

Em toda a Bíblia transpira o desagrado de Deus perante o divórcio, pode-se inclusivamente dizer, que se sente que Deus abomina e odeia o divórcio. Para os humanos, divórcio é sinónimo de anulação de votos, podendo a seguir fazer novos votos. No livro de Eclesiastes (5:5) Salomão declara que é melhor não fazer voto, do que fazer e não cumprir.

Quem é rejeitado, maltratado ou qualquer outra coisa que perturbe física ou psicologicamente, não é obrigado a sofrer os maus-tratos, que em alguns casos chegam a ter a vida em risco. A separação, por vezes é uma atitude de coragem e alguns casos raros é a única atitude possível, para salvaguardar a saúde física e psicológica de um dos membros. Se isto acontecer, o que desagrada a Deus, embora separação não signifique anulação do casamento diante de Deus, devem os crentes voltar a sua vida para uma atitude passiva para com os irmãos e a comunidade em que se inserem, mas activa perante o Senhor. A um filho de Deus, a separação anula toda a autoridade perante os outros filhos de Deus. Em todo o caso é preciso ter em atenção aquilo que eufemisticamente chamo a questão hormonal e com o separar de um casal, é um problema que pode causar embaraços futuros.

Convém notar o assunto do perdão e reconciliação. Perdoar o verdadeiro arrependimento é um acto de amor, mas no caso de adultério, aconselho prudência com a reconciliação, devido às doenças que se transmitem sexualmente, sejam físicas ou espirituais, como já expliquei anteriormente. A reconciliação também deve passar por um processo de readaptação psicológica, devido às feridas abertas, que são mais difíceis de sarar. É um acto de sabedoria efectuar um período de segurança com acompanhamento.

Sempre que tiveres pensamentos de divórcio lembra-te primeiro do ensino de Jesus em Mateus, Marcos, Lucas e I Coríntios, em que o novo casamento é sempre adultério, e que no contexto de Mateus 19:1-12, os discípulos lhe responderam: (Mateus 19:10) "Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar."

Quero também lembrar que na carta aos Efésios 5:29 – 33, Paulo compara a união de Cristo e a Igreja com a união de um homem e uma mulher. A Igreja é um compromisso inquebrável para Deus. Só pensar neste compromisso, baseado nesta comparação, leva-nos imediatamente a compreender a importância de não quebrar o compromisso do matrimónio. Mal vão os cristãos quando se deixam enredar por interpretações de acordo com os seus desejos ou interesses e que anulam o que Cristo fez por eles. Nós devíamos ser a luz e o sal, devíamos ser a influência, mas as nossas comunidades passaram a ser reflexo da sociedade e toleram tudo o que o mundo aceita, por isso muitos vão ser rejeitados.

Termino com a citação de I Coríntios 7:10-11:

"Todavia, aos casados, mando, não eu mas o Senhor, que a mulher não se aparte do marido. Se porém, se apartar, que fique sem casar, ou que se reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher."

Age de acordo com as tuas convicções em Cristo e não feches as portas da tua consciência ao Espírito de Deus.